Frederico_FXAnalyst

Dívida não é sinónimo de austeridade

FX:EURUSD   Euro / Dollar Américain
Durante esta crise, a maioria dos países desenvolvidos recorreram a alguma forma de estímulo fiscal para combater a recessão. Aliada à forte queda das receitas e a uma contração económica sem precedentes, a dívida pública de praticamente todos os países acabou por crescer substancialmente.

Em Portugal, o peso da dívida pública face ao PIB subiu para 130% no terceiro trimestre, mais 3,9 pontos percentuais do que no segundo trimestre – este é o rácio mais elevado desde o terceiro trimestre de 2017, quando o mesmo atingiu os 131,3% do PIB. Também a nível europeu, Portugal continua a registar a terceira maior dívida da União Europeia em relação ao PIB, com a Grécia a liderar e Itália na segunda posição. No entanto, a sustentabilidade da dívida em nada depende do seu valor absoluto, mas sim da sua trajetória. Por isso, antes de se apontar a necessidade de medidas de austeridade, é imperativo compreender o que torna uma dívida sustentável.

De uma forma sucinta, essa sustentabilidade é influenciada por dois fatores: desempenho das contas públicas (diferença entre as receitas e custos do estado – excluindo os juros pagos pela dívida – em percentagem do PIB) e a diferença entre a taxa de juro real paga pela dívida e a taxa de crescimento do PIB real. No entanto, no longo-prazo é mais determinante o segundo ponto uma vez que se o crescimento da economia for superior aos juros pagos pela dívida, esta contribui não só para a diminuição do valor da dívida relativamente ao PIB, como também leva ao maior valor nominal do PIB, levando consequentemente a uma diminuição de um possível deficit das contas públicas (uma vez que este está também em percentagem do PIB). Isto levou Olivier Blanchard (2019) a referir que perante uma situação destas pode-se e deve-se “empurrar a dívida” para a frente, pagando a dívida existente emitindo nova dívida, mas diminui-la como consequência do crescimento económico – assim seria possível reduzir o tamanho da dívida relativamente ao PIB sem nunca se precisar de aumentar impostos. O ex economista-chefe do FMI, refere ainda que uma taxa de crescimento real do PIB superior à taxa de juro real paga pela dívida “é historicamente uma regra e não uma exceção” (salvo raras situações).

Muitas organizações e economistas também concordam. Em concreto, o Fundo Monetário Internacional (FMI) – que historicamente tem sido um forte defensor da contenção e responsabilidade fiscal – recomenda que a austeridade não deve ser utilizada e que poderá ser contraproducente. Como disse um funcionário do FMI, “o rácio da dívida pública nas nossas projeções estabiliza e até diminui ligeiramente no final, o que mostra que o COVID-19 é um salto pontual da dívida e, com as baixas taxas de juro, a dinâmica da dívida estabiliza.”

Assim, não há necessidade de uma política de austeridade que implique a consolidação da dívida através de impostos mais elevados e de redução da despesa. Isso, por sua vez, pode ter efeitos negativos no crescimento. Para além disso, o FMI preocupa-se com o facto de os estímulos orçamentais poderem ser retirados demasiado cedo, sufocando assim a atual recuperação. Mas o FMI não está sozinho nesta avaliação. O Banco Mundial, a OCDE, os principais bancos centrais e conhecidos académicos já manifestaram também um sentimento semelhante.

As reformas estruturais que se deve procurar ter é a nível económico e não orçamental, e não o fazer seria ir contra as recomendações que nos são feitas. Existe um consenso quanto ao facto de que o foco da política deve ser a criação de um crescimento mais forte da produtividade, com o objetivo de melhorar os padrões de vida de cada país. Isto poderá implicar mais investimento público em infraestruturas, especialmente em infraestruturas digitais e verdes; mais investimento em capital humano para que a mão de obra possa estar melhor preparada para a transição entre diferentes tipos de empregos; liberalização de fluxos comerciais e de capitais para que a economia possa obter os benefícios da eficiência do comércio; ou um melhor quadro regulamentar para a implementação de novas tecnologias. O fundo de recuperação europeu poderá ser utlizado com este propósito e com a economia a crescer é uma questão de tempo até se chegar a uma maior estabilidade das finanças públicas. Quando isso acontecer, a própria economia estará também mais próxima do seu potencial e poderá começar a crescer de forma menos acentuada, sendo só aí necessário, a mesma consolidação fiscal que tivemos nos últimos anos.
Clause de non-responsabilité

Les informations et les publications ne sont pas destinées à être, et ne constituent pas, des conseils ou des recommandations en matière de finance, d'investissement, de trading ou d'autres types de conseils fournis ou approuvés par TradingView. Pour en savoir plus, consultez les Conditions d'utilisation.